Os 500 anos de Leonardo - Anunciação, a primeira obra de autoria do mestre

A obra de Leonardo que representa a clássica cena bíblica na qual se pode observar a chegada do Arcanjo Gabriel para anunciar à Virgem Maria que ela conceberá o Filho de Deus, apresenta muitas contradições, discordâncias e especulações por parte dos estudiosos.

 A começar pela sua datação que, em 1989 foi apontada com início em 1479, por Marani, o mesmo especialista que, dez anos depois, reconsideraria sua datação do painel para 1572-1475, enquanto Arasse, em 1998, sugere que o pintor tenha utilizado o período compreendido entre 1473-1475, ou seja, um ano depois para seu princípio, época em que o gênio teria aproximadamente 21 anos.  Por fim, a datação mais aceita na atualidade, prevê o período indicado por Marani em 1999.

Como em várias obras de da Vinci, o simbolismo é amplamente presente neste quadro. A presença do mar, de montanhas ao fundo e árvores tipicamente tipicamente características da região da Toscana, têm também um forte caráter mariano, o que ajuda a contar a história da Anunciação, fato de extrema relevância no conjunto dogmático da Igreja Católica, tinha para um orgulhoso fiorentino, como era o jovem Leonardo, um significado especial, uma vez que a data marcava o início do ano novo em Firenze desde a Idade Média, até meados do Século XVIII.

Até 1867, o trabalho estava oculto em um convento próximo a  Firenze e sua autoria era atribuída à Verrocchio, mestre da Bottega onde Leonardo estudou.

Com a crescente investigação científica da História da Arte, alguns investigadores apontaram detalhes na pintura que indicavam este como o primeiro trabalho autoral de da Vinci. Dentre eles, podemos destacar a precisão naturalista com que as asas de Gabriel foram retratadas, num  clássico exemplo da curiosidade científica de Leonardo e seu notório amor pelos pássaros, o que o fazia commprar muitos deles nos mercados da cidade e soltá-los nos arredores, só para observar suas trajetórias, a desenvoltura e envergadura das asas, assim como detalhes de sua plumagem, o que teria lhe servido de grande valia para usar nas pinceladas precisas e delicadas.

Abaixo dos pés do anjo, onde ele se ajoelha, em primeiro plano, se pode ver um farto jardim verdejante e florido, quase que um tapete, no qual cada detalhe das flores, com precisões botânicas de seus pendões, foram pintadas com sucessivas camadas de tinta, outra característica das obras do mestre, que buscava a perfeição das nuances aplicando delica chiaroscuro e o sfumatodas camadas de tinta sobre tinta, promovendo os efeitos de variação de luz conhecidos como "chiaroscuro" e "sfumato", que seriam metodicamente repetidas no plano de fundo da obra, onde os tons de cinza azulado das nuvens, montanhas e mar se misturam delicadamente, criando uma noção de perspectiva muito particular aos seus trabalhos, para a qual, os demais pintores fiorentinos não possuíam pendão.

Por fim, um elemento determinante, resultado da análise tecnológica inerente à era moderna, mostra a presença de impressões digitais, ponto autoral de Leonardo que para desenvolver a sua técnica de "sfumato", dava pequenas batidas na tinta ainda fresca de modo a impregnar as cores entre si, até que estivessem misturadas o suficiente para configurar a fusão por ele desejada.

Detalhes da perspectiva formal, como o encaixe da Virgem à muratura que está em torno dela atribuindo-lhe a noção de profundidade imediata, embora muito próxima da técnica utilizada nas bottegas fiorentinas do Quattrocento, apresentam pequenas distorções que, notadamente, tiveram que ser corrigidas, denotando ainda mais fortemente a ideia de que este era um trabalho inicial, de autoria de uma jovem talentoso e sob uma tutela e/ou parceria de um mestre mais experiente.

Anunciação (c. 1473-1475) - Leonardo da Vinci. Óleo e têmpera sobre choupo, 100 X 221,43 cm.
Firenze, galleria degli Uffizi.