LUCREZIA TORNABUONI - A MÃE DE LORENZO DE MEDICI E O "HOMEM DA FAMÍLIA"
Em 2018, tive o privilégio de participar da jornada do patrimônio histórico, cultural e arquitetônico da Europa em Firenze, e, dentre as muitas atividades nas quais estive envolvida, fui a uma roda de conversa sobre a herança das mulheres da Família Medici no cotidiano do comportamento feminino na atualidade, dirigida pela jornalista Daniela Cavini que publicou, em livro, uma coletânea de doze artigos sobre pontos particulares da identidade dessas mulheres, o que fazia delas mais que apenas "mulheres da casa dos Medici", as tornava, Mulheres Singulares.
A autora reuniu doze mulheres que vivem em Firenze, italianas e estrangeiras, que apresentam em suas trajetórias de vida, experiências que convergem com pontos cruciais da vida dessas doze Damas Medici.
A vivência deste círculo de memórias e resgate de histórias de vida é, simplesmente, inenarrável!!! Uma emoção única ao perceber que somos todos herdeiros de um legado de luta de mulheres, anônimas ou não, que buscaram construir um futuro melhor.
Não tenho meios de reproduzir aquelas 4 horas, contudo, passo a compartilhar a tradução de cada um dos artigos delicados da sensível Cavini que olhou o passado e o presente e soube colher as flores do caminho.
Comecemos, como no livro, por Lucrezia Tornabuoni, a mãe de Lorenzo - Magnífico - e "O Homem da Família"
"É 1443, e Lucrezia Tornabuoni é dada em casamento a Piero dei Medici, o filho mais velho de Cosimo O Velho, líder do mais importante banco internacional da época.
Não há beleza no rosto de Lucrezia, e não passará a seu filho Lorenzo (ainda chamado de Magnífico, mas por outras razões). De aparência maçante, míope, também é surda: em um retrato pendurado na National Gallery, em Londres, Ghirlandaio a mostra para nós com um nariz comprido e um queixo saliente.
SEGUE A TRADUÇÃO:
"Vetusta, non pulcra" (Velha, não bonita) arriscaM os escritores da época. Mas Lucrezia é inteligente, culta. E ela tem sangue azul: graças ao casamento de prestígio, a ascensão ao poder da linhagem dos comerciantes transformados em banqueiros, torna-se mais evidente.
De fato, as origens nobres remontam aos Tornaquinci que, posteriormente, se tornarão em Tornabuoni. Eles foram registrados na área urbana de Firenze desde o século 10, lutaram contra Federico Barbarossa, são de na alma Guelfa. E, portanto, parte da oligarquia da cidade de origem feudal - os "magnatas" - sempre no topo das instituições municipais.
Entrando na casa Medici, Lucrezia traz um pequeno dote, apenas 1.000 florins: mas seu casamento com Piero selou a aliança com uma Casa de antiga linhagem, o que também contribuiu para a salvação de Cosimo, apenas alguns anos antes.
Houve uma conspiração em 1433. Algumas famílias nobres, reunidas em torno de Rinaldo degli Albizi, tentaram se livrar da família Medici, ao sentirem-se ameaçados pela sua riqueza ilimitada, seu crescente prestígio e ascendência sobre o povo.
Cosimo foi preso na Torre Arnolfo - onde ele escapou do veneno apenas porque conseguiu comida de casa - e depois foi exilado para Veneza. Mas o "pater patriae" é um gênio político. E então, o que pode ser mais persuasivo que dinheiro? Espalhando riqueza sem pedir de volta - uma política perspicaz em uma cidade sedenta por dinheiro - o velho leão consegue reverter a situação, para reconquistar o favor do povo.
Agora chegou a hora de pagar a dívida com aqueles que a apoiaram. O casamento de Tornabuoni sanciona o pacto. O irmão de Lucrezia, Giovanni, se junta ao banco da família. A jovem é bem-vinda como uma peça preciosa de um sistema de poder de amplas intenções. Com ela, Cosimo pegou um coringa e logo descobrirá.
Entre outras coisas, seu marido Piero - firme em sua mente, mesmo que debilitado em seu corpo - atribui a Lucrécia a tarefa de distribuir esmolas aos necessitados. Mas a nobre é educada, e não apenas na arte de escrever cartas: ela tem negócios, terra e sua própria renda. Sabe lidar com dinheiro com a atitude casual aprendida pelos antepassados.
Ela entende que, para o apoio popular, é vital alimentar a rede de subsídios e adaptar-se rapidamente: desta forma, financia artesãos e mercadores, esbanja generosamente investimentos em igrejas e conventos.
Em uma carta, ela escreve: "O que é bom para Florença e para a Toscana, também é bom para a família Medici".
Lucrezia é determinada, ela tem faro para os negócios. E ela é tão boa em coadunar opiniões em torno de um consenso, que seu sogro, Cosimo, diz sobre ela: "Ela é o único homem da família". Até mesmo os florentinos pensam assim, chamando-o de "o porto de todos os mistérios".
Especialmente após a morte de Cosimo, é ela quem administra a casa, guarda as chaves para a dispensa e os utensílios domésticos (com toda a simbologia de poder que isto significa), mas é também quem informa tudo a seu marido Piero - que agora está na cama por causa da gota - nem sempre consegue administrar. E faz isso com absoluta discrição, sempre um passo atrás. Ela aprendeu tudo com seu sogro.
Para o mundo, Lucrezia - poeta e escritora, protetora de Poliziano e Pulci - é uma mãe afetuosa dedicada às crianças.
Depois de aceitar a presença de Maria, a filha ilegítima de Piero (um incômodo comum na época), Lucrezia dá à luz duas fêmeas, Bianca e Nannina, e dois machos, Lorenzo e Giuliano.
Para os filhos, ela quer a melhor educação possível, e os entrega ao ecletismo humanista de Marsilio Ficino, ao estudo de Sócrates e Alcibíades. O latim os ensina pessoalmente: "Temos muitos bens antes mesmo do Ovidio - ela escreve para o marido da residência de Cafaggiolo - e Giuliano quatro livros entre história e fábulas!".
É a mãe que transmite a Lorenzo a educação baseada no classicismo, nos Reis Filosóficos de Platão, que farão dele o Magnífico de Florença.
O que os liga é um relacionamento muito próximo: ela é quem o nutre como a um príncipe, "em nome da sedução diplomática" (Tim Parks).
E é precisamente quando se trata de escolher uma noiva, que a intuição de Lucrécia é melhor expressa. Cosimo tomou uma Bardi por esposa, Piero uma Tornabuoni; para Lorenzo, a mãe olha para além. Devemos sair de Florença, abrir horizontes mais ambiciosos. A política das alianças matrimoniais vê precisamente em Lucrezia - o único homem da família - o criador do salto qualitativo necessário para o surgimento da linhagem, para o envolvimento com o papado.
A escolha recai sobre uma Orsini de Roma, e é precisamente em Roma que - como um bom comerciante - Lucrezia vai ter uma visão pessoal da "mercadoria". "O peito não podemos ver - ela escreve para o marido - porque elas os usam todo enfaixado, mas mostra boas qualidades - Lucrezia vai ter uma visão pessoal da "mercadoria". O acordo está terminado: Lorenzo impõe Clarice entre os dissidentes velados dos florentinos, porque - Maquiavel relata - "aquele que não quer seus cidadãos para parentes, quer que eles sejam criados".
Não será um casamento feliz. Lorenzo nunca se apaixonará por Clarice, perseguirá outras mulheres. Mas é a mãe é a única que sempre permanece ao seu lado, especialmente depois da morte de Piero, em 1469, quando o jovem se encontrará, aos vinte anos, à frente da família (e da cidade).
Nos dias tumultuosos que se seguiram à Conspiração Pazzi, Lucrezia ficou ao lado de seu filho, apoiando-o na sangrenta vingança.
Quando ela morreu em 1482, o Magnífico escreveu para Eleonora d'Este: "Eu permaneço tão desconsolado, tendo perdido não só a minha mãe, mas o único refúgio de muitos dos meus aborrecimentos e o levantamento de muitos trabalhos".
É (também) graças à gestão rigorosa de Lucrezia, que o notável património familiar passa mais ou menos intacto nas mãos para o novo Senhor de Florença que está preparado para tudo, exceto para cuidar do banco da família: que em breve desaparecerá no ar."
FONTE DIGITAL PARA CONSULTA: http://www.danielacavini.eu/lucrezia-luomo-di-famiglia/
Periódico onde fora publicado o artigo original ( Lucrezia, l'uomo di Famiglia) que foi aqui traduzido do italiano |
Retrato de Lucrezia Tornabuoni |
Detalhe do afresco da Capella Tornabuoni em Santa Maria Novella - a mulher mais velha é tida como Lucrezia Tornabuoni |
Livro "Le Magnifiche de' Medici - Dodici ritratti" ou em português "As magníficas de' Medici - doze retratos" da jornalista fiorentina Daniela Cavini |
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