A infância de Leonardo da Vinci

Pouco sabemos sobre a vida pessoal de Leonardo da Vinci, apesar das mais de 6000 páginas escritas deixadas pelo mestre fiorentino; nada além de algumas listas de compras, despesas com o funeral da mãe e pequenas anotações sobre o quanto Salaí o irritava, puderam ser encontradas em seus cadernos, e, como seus biógrafos não conviveram com ele, tudo que temos, em termos historiográficos, representam uma parcela ínfima do que foi sua realidade de vida.

Daquilo que se acredita até hoje, temos que em 15 de abril de 1542, nasceu, às 3h Da madrugada, o pequeno Leonardo. Filho de Ser Piero da Vinci, um notário da família Medici e de uma camponesa chamada Caterina. 

Provavelmente passou os seus primeiros quatro ou cinco anos no vilarejo de Anchiano, numa casa muito humilde em meio à natureza, cercada por muitas oliveiras e uma indescritível vista tanto da vegetação como dos acidentes geográficos da Toscana. 

Como era costume na época, os pais de Ser Piero  arranjaram um "conveniente" casamento para a mãe de Leonardo com um tal Accattabriga del Vaca, um violento e valente beberrão do local. Deste modo, tiraram a mácula de sua origem bastarda e pouco nobre e alocaram o pequeno menino com o avô, uma vez que seu pai passava a maior parte de seu tempo trabalhando para os Medici e outros banqueiros de Firenze, dando de pública nos documentos. 

Foi nesta época que Leonardo mudou-se para a casa da família de seu pai na pequena cidade de Vinci onde viveu com seu avô, Antonio e seu tio, Francesco. 

Seu tio Francesco, como segundo filho, não fira "obrigado " a seguir a profissão do pai, tal ocorrera com Piero. Relatos contam que ele era Muito próximo do pequeno Leonardo e ambos passavam muito do  tempo a apreciar a vida nas montanhas do local. 

Provavelmente,  foi com ele que Leonardo aprendeu a observar e explorar a natureza.

Seu pai, por sua vez, casou-se com uma jovem de dezesseis anos chamada Albiera di Giovanni Amadori, que amou Leonardo, que a chamava de madrinha, porém, morreu muito cedo sem deixar filhos - o que faria Leonardo testemunhar a mais três casamentos de seu pai Piero.

Por volta desse período, Leonardo também vivenciou a morte do avô, a quem muito estimava, e, não obstante a falta de registros, podemos deduzir que este fora um período doloroso de sua infância. 

Leonardo só se recordaria de dois incidentes de sua infância, um deles, tinha como presságio:

"Parece-me que sempre fui destinado a me interessar muito profundamente por falcões, pois me lembro como uma de minhas primeiras recordações que, quando estava no berço, um falcão desceu sobre mim e abriu minha boca com a cauda, e me bateu muitas vezes entre os lábios com ela." 

A narrativaxdeste episódio levaria Freud, em 1910, a escrever um tratado sobre a infância de Leonardo, sua "fixação" por figuras femininas e implicações disso em sua sexualidade. 

O segundo momento marcante da infância de Leonardo que ficara descrito em seus apontamentos, ocorreu enquanto ele explorava as montanhas da região, conforme descreve: "e depois de vagar por alguma distância entre as rochas projetadas acima, cheguei à boca de uma imensa caverna, diante da qual me quedei por algum tempo estupefato, pois ignorava a sua existência (…) e após ficar ali algum tempo, de repente despertaram dentro de mim duas emoções - medo e desejo - medo da escura e ameaçadora caverna, desejo de ver se haveria alguma coisa maravilhosa lá dentro". 

Este relato nos mostra um pouco de como o espírito explorador permeou a vida do garoto que se tornou  o grande gênio que conhecemos.  


Ser filho bastardo no Século XV pode ter representado uma significativa vantagem para o processo de desenvolvimento social e educativo do jovem gênio, pois ao contrário dos demais filhos legítimos, ele não foi obrigado dar seguimento ao ramo profissional do pai (tabelionato), podendo dedicar-se às suas habilidades artisticasce científicas. 


Em 2018, dei-me a oportunidade ímpar de tentar refazer os passos da infância de Leonardo da Vinci e pude, em partes, entender as razões que o levaram a ter uma visão privilegiada da ciência e do Homem, sendo a representação fiel do "Humanista". 


O caminho de Firenze a Vinci, pouco mais de 60 Km, percorridos de carro em estradas modernas, já dá pistas de que a luz e paisagem da Toscana não poderiam ser representadas sem as técnicas de "chiaroscuro", "sfumato" e perspectiva em "scorso", inventadas e/ou aprimoradas por ele. 


Uma miríade de cores das plantações e mata nativa desafia a paleta de cores de qualquer artista plástico, por mais talentoso que ele seja... Não é de admirar que Leonardo tenha se debruçado a estudar ótica para compreender os caminhos e influência da luz sobre os corpos. 


O caminho entre Vinci e Anchiano, ou seja, o oposto do que fizera o pequeno menino, é ainda mais intrigante! 

É possível imaginar a imensa liberdade na qual o "bambino" viverá até seus 5 anos e, também, o profundo encantamento que provara ao chegar na casa do avô,  em Vinci. A pequena vila, deveria parecer a ele o mundo inteiro... 


As paisagens longínquas e a variedade de árvores que se alternam para compor o cenário de fundo de obras como Ginevra de Benci e A Anunciação, podem ser claramente vistas da piazza centrale da pequena Vinci. 


Passei horas ali, a observar tudo e imaginar como seriam os dias de um pequeno menino inquieto do Século XV...


Se é fato que a genialidade do olhar atento e curioso nasceram com ele, a infância livre, inventiva, curiosa e imersa na natureza foram elementos fundamentais que se fundiram na construção de uma personalidade tão elaborada. 


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