FLORENÇA ANTES DOS MÉDICIS - No Princípio era a Idade Média - Parte I

Durante um longo período de mil anos a civilização viveu o que classicamente a História denomina como Idade Média, ou seja, teoricamente, um interstício de trevas e obscuridade entre dois momentos gloriosos: a Antiguidade e a Idade Moderna.
A concepção mais tradicional da historiografia nos diz que da queda do Império Romano em 476, quando foi deposto o seu último imperador,  até a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453, a humanidade viveu um tempo marcado pela “ignorância e superstição”, no qual se sobrepunham os mandamentos religiosos, em detrimento às perspectivas pessoais e o racionalismo; deste longo torpor,  a sociedade só seria desperta com o florescer do movimento Renascentista, durante a Baixa Medievalidade.
Mas seria esta a justa concepção de Idade Média? Apenas um periodo intermediário? Mas, como homens e mulheres viveram nesses supostos mil anos de trevas? Quais eram as bases de suas relações em sociedade? Como eram as tecnologias de poder que regiam suas vidas e organiazavam seus cotidianos? Qual era o papel da arte e da cultura em geral nesta sociedade? Em que se lastreava a sua economia?
Rotulada por centenas de anos como “Idade das Trevas”, “Anos Escuros” ou “Tempo de Ignorância e Superstição” a Idade Média ganha uma conotação negativista principalmente em razão dos Renascentistas e Iluministas encararem o período feudal como sinônimo de grande atraso, primitivismo e abandono do pensamento racional em razão da devoção à Igreja e ao assentamento do Homem no campo. Contudo, no recente século XX, inúmeros historiadores se debruçaram sobre as fontes primárias para desvelar um mundo de organização complexa e muito rica em significados, desmistificando assim essa visão superficial acerca deste período da História.
De fato, boa parte do mundo como o conhecemos hoje, e, inclusive, muito daquilo que pensamos e fazemos foi inventado, construído, elaborado ou enraizado no nosso inconsciente coletivo justamente graças à Idade Média e seus desdobramentos.
Mas para compreender um pouco melhor essa intricada rede de relações e desdobramentos que desencadearão na nossa dita sociedade moderna, devemos começar com o feudalismo, o principal meio de produção/obtenção de riquezas e a base das relações familiares e sociais durante estes mil anos.
Ao contrário do que ocorria na Antiguidade, no modo de produção feudal, o comércio passa a ser atividade de menor importância e as fontes de riqueza são provenientes da exploração da terra e visando, no mais das vezes, a atender uma economia local, quase de subsistência.
A mão-de-obra usada neste sistema de produção não é mais a do escravo, e sim a a do servo, ou seja, um homem livre, porém sem posses, que deveria se submeter a um Senhor (ou seja o Suserano) que lhe garantiria terras para morar e produzir, proteção em caso de guerras, amparo em caso de calamidades e não poderia ser vendido a outro dono, pois não era propriedade de ninguém; era livre para ir embora, porém, sem o seu vínculo à terra e ao seu Senhor não teria meios para sobreviver, o que fazia com que fosse sempre atrelado ao pacto de vassalagem (juramento prestado ao senhor pelo qual ambos se ligavam em relação aos direitos e deveres que deveriam mutuamente cumprir). Considerando que o pacto de vassalagem era vitalício, constituía grave falta abandonar seu Senhor, fazendo com que nenhum outro Senhor das redondezas aceitasse um Servo que deixasse seu Feudo original.       
Como contrapartida a toda essa benevolência do Suserano o servo tinha por dever pagar os seguintes impostos:
1-  Captação – pago pelo recebimento da gleba (faixa de terra a ele destinada para seu próprio cultivo);
2-  Corvéia – pago em forma de trabalho nas terras do Senhor por 3 a 4 dias  na semana;
3- Talha – equivalente a 50% da produção de sua gleba deveria ser destinada ao Senhor Feudal;
4- Banalidades – pelo uso do forno, moinho, celeiro, bosque e demais dependências do Senhor;
5- Tostão de Pedro – pago à Igreja, no valor aproximado de 10 % daquilo que possuísse;
6- Mão morta – taxa de indenização ao Senhor paga pelos filhos para permanecerem no feudo quando da morte do chefe da família.
As relações de Suserania e Vassalagem eram muito mais amplas que aquelas destinadas à exploração da terra pelos servos – que representavam a categoria mais baixa na organização social medieval – ao contrário, se estendia dentro da classe nobiliária em vários estamentos até chegar ao Soberano – Reis, Príncipes, Condes e Duques faziam parte de uma rede complexa e emaranhada de relações de enfeudamento.
Como a fonte de riquezas era obtida eminentemente por meio da exploração da terra, era também por meio de sua detenção que se obtinha prestígio, riquezas e poder. A obtenção dos domínios era dada por hereditariedade, sendo o feudo geralmente passado ao filho primogênito; já a sua ampliação se dava por meio dos pactos de vassalagem, casamentos, alianças e/ou guerras.
Mas isso não significa, absolutamente, dizer que o dinheiro, o comércio e outras relações econômicas foram banidas da sociedade medieval.
Todavia, deve-se atentar para dois fatos importantes quando se fala de narrativas de Períodos da História:
1- Todas as relações travadas entre os homens, sejam elas de cunho econômico, político, social ou cultural, por mais que tenham se expandido, se generalizado e até mesmo se enraizado por longos anos na sociedade, sempre tiveram suas particularidades de acordo com o grupo de homens e o local onde se desenvolveram;
2- A cronologia não deve ser entendida como um marco estanque e definitivo, ou seja, os Homens não dormiram na sociedade escravocrata do Império Romano em 475, cultivando seus hábitos, costumes e relações econômicas e acordaram em 1 de janeiro de 476 no regime feudal da Idade Média. Todas as mudanças levam tempo e, novamente, derivam dos grupos de homens e local onde se desenvolvem. A Europa se torna feudal ao longo séculos sempre apresentando pequenas variações em sua estrutura.    

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