Médici: Masters of Florence - deslizes históricos do primeiro episódio
Depois de ter sido veiculado inúmeras vezes na TV italiana e em muitos sites afora, estreou no último dia 18 de outubro, a mais que esperada série os Médicis - Senhores de Florença. Produzida em parceria com a Itália e o Reino Unido, a série está sendo inicialmente veiculada na Europa pelo canal estatal RAI 1, contudo, dado a imensa legião de fãs da família espalhados ao redor do mundo e a tendência de sucesso de outras séries históricas ou de época, já foram firmados acordos de venda para vários canais europeus, uma australiano e na América, o Complexo Sony já fechou acordo de aquisição para exibição da série, incluindo a sua veiculação na América Latina, o que ocorrerá, provavelmente a partir de 2017.
A exibição dos dois primeiros episódios aconteceu em sequência no dia da estréia e mobilizou mais de 7 milhões de espectadores entre italianos, ingleses, alemães e demais pessoas que acompanharam a "prima" exibição ao vivo pela TV ou pelo app da RAI; AS redes sociais bombaram e o app da emissora chegou a trabar dado o intenso fluxo de pessoas, contudo, horas depois do final da transmissão e, principalmente, no dia seguinte, uma nova enxurrada acessos bombardeou as redes sociais na Itália, eram milhares de pessoas falando sobre o primeiro episódio que você pode assistir legendado em português neste link abaixo:
( http://demogame.org/pages/assistir_medici_masters_of_florence_online ).
Como em toda produção há os que amaram e os que detestaram, mas o principal ponto de análise para nós será: do que foi mostrado na série, o que aconteceu na realidade e o que é pura fantasia?
Símbolos na abertura
A aberturaé envolvente e cheia de significados , com uma música primorosa e cantada em voz suave e traz os personagens retratados como estátuas ou efínges de moedas, de modo a aludir sobre suas principais artes: o mecenato artístico e o alavancar da economia monetária na Baixa Idade Média: a eles se intercalam uma rápida visão do Duomo di Firenze, a Basílica de Santa Maria del Fiore, grande símbolo da cidade, palco de vários acontecimentos da Família dos Médicis e grande orgulho dos florentinos, na abertura ainda sem a Cúpula de Brunelescchi, na sequência vemos uma imagem do David de bronze encomendado a Donatello por Cosimo para ser um dos símbolos da família* e em seguida o brasão com as seis bolas (em italiano Palle, que será adotado como grito de guerra de seus apoiadores) que se transformam em muitos florins de ouro caindo que se transformam na imagem de um por do sol em Florença, mostrando o poder do dinheiro que construiu a cidade.
Sobre o primeiro episódio
Óbvio que não esperávamos um documentário fiel em sua totalidade, mas as falhas presentes no primeiro episódio, e ao que parece nos demais, chegam a deixar os historiadores e amantes de história de cabelo em pé, mas servirá bem aos professores de história como contraste entre o que havia ou não, o que era possível ter ocorrido e o que foi acrescentado, etc, etc. As imprecisões históricas vão desde pequenos detalhes, anacronismos, até mesmo inserções de fatos, personagens ou modificações de alguns deles, sendo a principal, a morte de Giovanni di Bicci de' Medici, que não ocorreu como descrita, por envenenamento, porém, os diretores alegaram fazê-lo para criar um ar de mistério e envolver o público com a narrativa - como se os mistérios e excentricidades da própria Família dos Médics não fossem suficientes para criar esse elo...RESUMO DO PRIMEIRO EPISÓDIO
Logo no início temos a morte de Giovanni di Bicci de' Medici (Dustin Hoffmann), patriarca da família após comer algumas uvas de sua vinha da Vila de Careggi. Após o sepultamento do pai, Cosimo (Richard Madden) e Lorenzo (Stuart Martin) discutem sobre a probabilidade de o pai ter sido envenenado por cicuta espargida sobre as uvas da vinha, possibilidade aventada por um cirurgião contratado pelo filho mais velhopara fazer a necropsia e identificar a causa da morte. Em forma de flashback, temos cenas de Cosimo, do pai e do irmão 20 anos antes, quando os presenciamos envolvidos com o Conclave que elegerá Giovanni XXIII como o novo Papa de Roma, denominado de Antipapa (vale lembrar que neste período a Igreja Católica vivia uma ruptura e tinha 3 Papas ao mesmo tempo e Giovanni XXIII, assim como a família Médici tentou a reunificação); para tanto, usam de subterfúgios mil, desde a simonia à coerção e chantagem. Neste interstício vemos um Cosimo amante da beleza, da arte, da vida e não muito afeito aos negócios de família, o que o levaria a: desenhar incessantemente, buscar uma solução opara a Cúpula do Duomo (ainda não construída neste episódio) e conhecer fortuitamente Donatello. Vemos 20 anos depois, um Cosimo sério, introspectivo, um tanto distante da família e da esposa Contessina (Anabel Scholey), que reluta em introduzir seu filho Piero (Alessandro Sperduti) aos negócios. Logo após à morte do pai é procurado por Rinaldo Albizzi (Richard Shrapnel) para que Cosimo garanta na eleição, que ocorrerá nos próximos dias, sua escolha par ao cargo de Gonfaloniere da Justiça ocupado por Giovanni, o que ao contrário não se realiza, sendo a eleição vencida por Cosimo, o que na série será uma das justificativas para explicar rivalidade entre as duas famílias.
ANÁLISE HISTÓRICA
1. A morte de Giovanni di bicci de' Medici aconteceu em 20 de fevereiro de 1429** , período do ano em que não há uvas no pé. Ainda segundo os registros, ele morreu de morte natural, sem grandes sofrimentos e cercado pela família numa das vilas da família;
2. O uso da barba não era muito comum entre os florentinos no Século XV e, de todas as imagens que temos representando os Médicis, a primeira que consta um dos membros com barba é de meados de 1550 de Cosimo I (que não deve ser confundido com Cosimo "O velho", nosso protagonista vivido pelo ex Rob Stark, Richard Madden);
3. Numa das tomadas depois da morte de Giovanni aparece a Basíica de San Lorenzo, hoje parte do Complexo Mediceo, e podemos ver a Cúpula da Capela dos Príncipes que só foi executada no período do granduque Ferdinando I , a partir de 1587.
4. O afresco que vemos às costas de Lorenzo e Cosimo enquanto discutem (foto abaixo), se trata da obra "O banho de Vênus e Marte", realizada em 1526 por Giulio Roamano que pode ser admirado na Câmara de Psiche dentro do Palácio Te em Mântova;
5. Em outra passagem vemos o canteiro de obras da Cúpula do Duomo de Florença, onde aparece o trabalho de um excêntrico e entusiasta Brunelleschi (Alessandro Preziosi), porém devemos lembrar do ano de 1429 (ou 1428) que marca a data pela morte de Giovanni di Bicci ao início do episódio.Na realidade, Brunelescchi fez o seu primeiro projeto a Cúpola em 1402, mas o manteve em segredo; a realização da Cúpula é precedida de um concurso organizado pelo grupo de administradores dos trabalhos na Catedral, chamado "Opera del Duomo" em 1418, do qual participou também Brunelleschi e, depois tê-lo vencido, graças ao seu grandioso projeto inspirado no Pantheon de Roma, dará início ao canteiro de execução só dois anos depois, ou seja, em 1420, portanto, no mínimo 8 anos antes do momento em que se passa a história.
6. A eleição do Antipapa Gioavnni XXIII, o Cardeal Cossa, permeado de jogos desonestos e corrupção, na realidade ocorreu em Pisa e não em Roma como demostrado na série televisiva.
7. A rivalidade entre os Médicis e os Albizzi, na figura de Rinaldo Albizzi, na série se define pelo momento da eleição de Cosimo para um cargo na Signoria (centro administrativo de Florença), porém, sabemos que além da rivalidade entre as famílias ter um histórico muito anterior e baseado na súbita ascensão dos Médicis, além do que, até este momento Giovanni havia conseguido angariar muito dinheiro e destaque social por conta disso, porém, os cargos públicos ainda não eram o foco da Família e nem tampouco representavam um ponto de destaque como demonstrado, além do que, Cosimo "o velho" não ocupou cargos públicos;
8. O encontro com Donatello em Roma: é muito pouco provável que tenha se dado daquela maneira, pois Donatello não possuía uma Bottega (ateliê) em Roma, e como já vimos, as obras do Duomo foram iniciadas em período diverso do referido;
9. Podemos ver nos Palácios da Família Médici e nas bandeiras que pendem deles apresentam o brasão da Família, no qual constam seis bolas (cinco vermelhas e uma azul com flores de lis amarelas), porém, o acréscimo desta sexta bola com o uso da flor de lis num fundo azul royal (as cores e símbolo da realeza francesa), porém, o Rei Luís XI da França só fez a concessão do uso dos símbolos reais nas armas dos Médicis a Piero e seus herdeiros em 1465, como agradecimento aos serviços prestados por Cosimo, já morto nesta época;
10. Na época em que se passa a série a cidade de Florença ostentava uma tradição italiana e era plena de "casa-torres", ou seja, as grandes e prestigiosas famílias construíam casas com grandes torres para demonstrar o poderio e a força perante as demais, porém, não vemos sequer uma casa-torre pelas panorâmicas da cidade de Florença, ao invés disso, vemos muitas construções típicas do Século XVIII, como na Florença atual;
* A Família dos Médicis carregou ao longo dos 300 anos de Dinastia vários símbolos e o David foi um deles. Simbolizava a vitória do pequeno, humilde e frágil clã de camponeses contra o grande e opressor sistema nobiliário estabelecido em Florença. É curioso pensar que o mesmo símbolo depois acabará sendo utilizado para representar a vitória da cidade a mandar-los para o exílio quando após a morte de Lorenzo "O Magnífico" Florença volta a ser uma República.
** Algumas fontes divergem sobre o ano de morte e idade de Giovanni, apontando que o fato se deu em 1428 quando ele teria 68 anos, porém, todas mantém convergência para o data de 20 de fevereiro, o que plenamente explicável porque os florentinos, assim como outras sociedades medievais, apresentavam uma incongruência entre o início do ano no calendário. Para os florentinos, o mundo mudara fundamentalmente no momento da encarnação, ou seja, quando Deus se fez Homem por meio da encarnação de Jesus Cristo, portanto, o momento em que o embrião do menino Jesus começou a germinar no ventre de Maria determinou o ponto de virada da história da humanidade, e não a data do seu nascimento. Assim, o Ano-novo florentino começava no dia da Anunciação, em 25 de março e o dia 20 de fevereiro podia estar tanto em 1429 como em 1428, dependendo do calendário que foi usado para o registro; como até meados do século XV ambos eram arbitrariamente usados em Florença, não temos como afirmar com certeza o ano.
Bibliografia: OTTAJANO, O. M. T. Storia della mia Dinastia. Edizioni Polistampa. Firenze, 2001.
GAYFORD, M. Michelangelo: uma Vida Épica. Cosac Naify. São Paulo, 2014.
CESATI, F. I Medici: Storia di una Dinastia Europea. Madnragora. Firenze, 1999.
VANNUCCI, M. I Medici: Una Famiglia al Potere. Newton Compton Editore. Roma, 2015.
SANTI, B. San Lorenzo e le Cappelle Medicee. Editrice Beccocci-Scala. Firenze, 2012.
DUBY, G. História da Vida Privada: Da Europa Feudal à Renascença, Volume 2. Cia. das Letras. São Paulo, 2006.
http://www.ilpost.it/2016/10/26/i-medici-serie-personaggi-cosimo-giovanni/ (último acesso em 14/11/16)
** Algumas fontes divergem sobre o ano de morte e idade de Giovanni, apontando que o fato se deu em 1428 quando ele teria 68 anos, porém, todas mantém convergência para o data de 20 de fevereiro, o que plenamente explicável porque os florentinos, assim como outras sociedades medievais, apresentavam uma incongruência entre o início do ano no calendário. Para os florentinos, o mundo mudara fundamentalmente no momento da encarnação, ou seja, quando Deus se fez Homem por meio da encarnação de Jesus Cristo, portanto, o momento em que o embrião do menino Jesus começou a germinar no ventre de Maria determinou o ponto de virada da história da humanidade, e não a data do seu nascimento. Assim, o Ano-novo florentino começava no dia da Anunciação, em 25 de março e o dia 20 de fevereiro podia estar tanto em 1429 como em 1428, dependendo do calendário que foi usado para o registro; como até meados do século XV ambos eram arbitrariamente usados em Florença, não temos como afirmar com certeza o ano.
Bibliografia: OTTAJANO, O. M. T. Storia della mia Dinastia. Edizioni Polistampa. Firenze, 2001.
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http://www.ilpost.it/2016/10/26/i-medici-serie-personaggi-cosimo-giovanni/ (último acesso em 14/11/16)
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