FLORENÇA ANTES DOS MÉDICIS - As Repúblicas Marítimas





Embora a definição "República Marítima" só tenha nascido no século XVIII é uma referência a algumas das cidades portuárias da Itália que despontaram com seu comércio internacional ainda na Idade Média, por volta do último quartel do Século IX. 

A retomada econômica na Europa se deu a partir do Século IX, que combinada com a insegurança das rotas terrestres em função da expansão do Islã e a crise de um poder central caracterizada pelo modelo feudal, criou o cenário perfeito para o desenvolvimento de uma alternativa a criação de rotas comerciais traçadas pelos mares como faziam os antigos fenícios, cartagineses, gregos e romanos.

Valendo-se da privilegiada localização geográfica da península itálica,  a Costa do Mediterrâneo foi a precursora deste movimento de expansão e emancipação, o que paulatinamente assume um papel decisivo nas mudanças do cenário econômico e político.

De grande autonomia política e prosperidade econômica, Amalfi, Gênova, Pisa e Veneza se destacaram e compuseram maior força dentre todas as demais Repúblicas Marítimas, embora Ancona, Gaeta, Noli e a República Dalmata de Ragusa também tenham desempenhado grande papel da propagação do comércio ultramarino.

Dentre as principais características destas Repúblicas estão:
A Independência (de direito e de fato);
A autonomia, a economia, a política e a cultura se baseavam essencialmente nas navegações e na atividade de escambo marítimo provindo destas;
A posse de uma ampla frota naval;
O gérmem do renascimento das cidades-estado que darão origem ao Estado nação moderno, enquanto ruptura da política feudal;
Presença nos portos mediterrâneos de instalações próprias para o estabelecimento de comércio e alojamento dos comerciantes estrangeiros (Fondaco) e presença de um Agente Consular de Cidades e Países estrangeiros para regulamentar as transações comerciais advindas destes mercados portuários;
Uso de uma moeda própria que era aceita em todo o Mediterrâneo e servia de balisamento para as trocas efetuadas usando dinheiro ou mercadoria-natureza;
Legislação marítima própria;
Governo de características repubicanas;
Participação ativa nas Cruzadas e à repressão ao movimento de pirataria


Uniformemente disseminadas ao longo da península italiana - ao Norte, ao Centro e ao Sul - as repúblicas marítimas foram importantes não somente para a história da navegação e do comércio, mas acima de tudo para o incremento de idéias, tecnologias, conceitos artísticos, arquitetônicos e chegada de notícias e mercadorias preciosas que não seriam conhecidas se não fosse intercâmbio.

Com o advento das Repúblicas Marítimas a Europa reergue novamente seu olhar na direção de outros continentes, uma realidade quase abandonada na Alta Idade Média. Não obstante a rivalidade comercial que vez ou outra as colocava uma contra a outra, estas cidades, desenvolveram entre si um grande vínculo, o espírito de aventura e a capacidade de ressurgirem depois de tempos difíceis, e foram sempre consideradas a grande gloria da Itália, tanto que, a partir de 1947 seus emblemas figuram nas bandeiras que representam a marinha militar e mercante italiana. 

Mas nem tudo foram flores nesse caminho em busca da emancipação política e econômica. Amalfi, Veneza, Gaeta, Gênova, Ancona e Ragusa iniciaram suas histórias de autonomia mercantil depois de superarem dramas internos referentes à saques, assédios de corsários, crise com a chegada de muitos refugiados, etc.  

A mesma localização geográfica privilegiada que os habilitava a explorar outros recantos do mundo os colocava em constante exposição a outros povos. Foi portanto, imperativo aliar e aumentar rapidamente os recursos marítimos não só para a exploração, como também para a auto defesa, o que os tornou aptos para, nos séculos X e XI, passarem da defensiva à ofensiva, criando frente às maiores potências da época, a marinha bizantina e a islâmica, razão pela qual, se estabelece uma intrincada rede de relações - ora de competição e ora de cooperação - entre essas diferentes forças ultramarinas que singram  o Mediterrâneo.

De fato, as Repúblicas Marítimas e os desdobramentos advindos de suas relações comerciais, culturais e de suas próprias organizações políticas, trarão forte influência ao comércio de Florença e das mudanças que ali se delineiam a partir do final do Século XII, como fortalecimento do Florim enquanto moeda mercantil e do estabelecimento da cidade como grande produtora e mercante de tecidos, em especial a lã e a seda, ramo ao qual os Médicis se ligarão quando chegarem a este grande centro.

Os ganhos civilizatórios do movimento de navegação e comércio marítimo resgatado pelas Repúblicas Marítimas foram, talvez, os mais importantes, porém, não se pode olvidar as intensas modificações por elas impressas no panorama feudal. A autonomia de cada uma das Repúblicas Marítimas foi tão peculiar quanto a sua história, contudo, deixou no ar novamente o sonho de liberdade política, assim como, trouxe novos objetos de desejo e criou na Sociedade Feudal um novo olhar: a necessidade de conforto, a apreciação pelo belo, a ostentação do luxo e, em poucas palavras, inventou o hábito de consumir.

BIBLIOGRAFIA: OTTAJANO, O. M. T. Storia della mia Dinastia. Edizioni Polistampa. Firenze, 2001.
                 
                        CESATI, F. I Medici: Storia di una Dinastia Europea. Madnragora. Firenze, 1999.
                        VANNUCCI, M. I Medici: Una Famiglia al Potere. Newton Compton Editore. Roma, 2015. 
  
                        DUBY, G. História da Vida Privada: Da Europa Feudal à Renascença, Volume 2. Cia. das Letras. São Paulo, 2006. 
                        LE GOFF, J. A Idade Média e o Dinheiro. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 2015.
http://www.repubblichemarinare.eu/ (ÚLTIMO ACESSO 07/11/16)

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